Vagalumes

Memorial das vítimas indígenas fatais da covid-19.

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Arte de Denilson Baniwa – “Mártires Indígenas”.
Tintas acrílica e vinícula; algodão e penas de pássaros recolhidas nas aldeias, 60×80 cm.
Instagram: @denilsonbaniwa

 

A história é construída por criações de mitos e heróis nacionais que são símbolos de um país que apaga suas diversidades. É mais fácil dominar quando o povo tem somente uma única identidade. Para estes fake-heróis são levantados monumentos e retratos são impressos em livros escolares e atualiza que devemos ser gratos a eles que fizeram um país livre de selvageria e paganismo. As datas comemorativas nos reforçam a importância desses mártires e heróis que “lutaram e deram a vida pelo Brasil”.

Em tempos de pandemias, isolamento forçado e quarentena as populações indígenas contam sobre outros momentos na história onde foram quase exterminados neste território. E não bastassem os assassinatos à lâmina ou pólvora que ano passado foram capas de jornais, em 2020 chega uma pandemia. Embora sejam tempos que não gostamos de lembrar, são importantes para pensarmos em como podemos continuar vivos. Trazidas pelo modo de vida não-indígena, algumas dessas doenças acabaram sendo usadas como armas (direta ou indiretamente) por alguns dos heróis brasileiros. Vários destes heróis oficiais pouco fizeram pela liberdade deste território, senão lutaram por seus próprios interesses, leia-se: ouro, prata, cargos, poder.

Hoje quero trazer a memória de mártires que morreram por vírus, bactérias, venenos, aço ou pólvora, mas lutando verdadeiramente pela liberdade deste território, pela independência deste lugar, pela cultura deste pedaço de planeta. Mártires que não estão na memória do povo brasileiro, foram heróis sem almejar seus rostos impressos em livros do Ensino Médio. Mártires que não estão em monumentos de Capitais. Quem lutou pela terra, quem morreu pela terra, quem viveu pela terra. Todo ano dezenas de mártires caem por lutarem por um mundo melhor. Todo ano o Brasil faz questão de jogar sua memória para debaixo do tapete. Mas para Nós indígenas a memória daqueles que se foram continua viva em nós, sabemos quem são os verdadeiros heróis da terra e quem são fantasias de fronteiras e territórios inventados. (Texto de Denilson Baniwa)

 

O que é o Memorial Vagalumes?

 

Vagalumes se forma como rede de voluntários, com o objetivo de prestar homenagem aos mortos e solidariedade às famílias dos povos indígenas afetados pela Covid-19 no Brasil e em países vizinhos.

Nenhuma pessoa pode ser apenas um número entre centenas de milhares de vítimas da Covid-19. A pessoa que parte viveu uma vida, deixou parentes, amigos e relações! Algumas eram famosas e deixaram obras de arte, livros, filmes, ou tiveram postos de comando e voz, feitos guardados como rastros de sua memória. Muitas não obtiveram visibilidade pública ao longo da sua existência, porém deixaram ideias e pensamentos no seu círculo mais íntimo de relações, que se perpetuam no plano da vida espiritual e cultural de sua comunidade. Isso vale para qualquer ser humano. Mais ainda para os povos indígenas.

Muitas pessoas indígenas nasceram, cresceram e se formaram em comunidades nas quais a forma de comunicação básica e também mais profunda e mais elevada é a oralidade. Produziram e transmitiram dessa forma conhecimentos sobre a vida, a floresta e todos os seres, humanos e não-humanos. A morte delas ameaça também essa forma particular de conhecimento e tradição de saber. A morte de uma pessoa indígena é, por isso, talvez, um acontecimento mais trágico para o seu povo e para o mundo – que perde essa sabedoria que o mantém em funcionamento. No avançar da pandemia as comunidades indígenas estão no olho do furacão: o sopro vital do seu modo particular de existência pode ser fatalmente sufocado, pode deixar de se estender para além das mortes individuais.

Vagalumes é uma singela tentativa de guardar aqui entre nós, vivos, parte da memória das pessoas indígenas que se foram por causa da Covid-19 no Brasil e em países vizinhos e, assim, manter-nos conectados aos seus espíritos, hoje habitando algum lugar da floresta, do céu ou de uma estrela. Esse Memorial é uma maneira de manter presente a força e a potência do pensamento indígena, na expectativa de que ele nos ajude a suspender o fim do mundo e a disseminar entre nós todos e todas o bem viver!

 

Por que Vagalumes?

 

Porque acreditamos que os povos indígenas são como que vagalumes* no mundo atual: brilham. E de tempos em tempos fazem piscar uma luz em meio à escuridão, trazendo-nos uma centelha de esperança de que as atrocidades, o ódio, a intolerância e a avareza gerada pelo lucro e a cobiça desenfreada pela devastação da natureza possam vir a ser transformados. A morte de cada pessoa indígena ameaça a existência dos povos indígenas e, consequentemente, ameaça a própria possibilidade da vida plena no planeta. Cada morte apaga definitivamente uma luz.

Sabemos, entretanto, que os povos indígenas já sofreram inúmeras epidemias e quedas de mundo: a primeira grande destruição foi a invasão das suas terras pelos povos europeus, que trouxeram todo tipo de doença: sarampo, varíola, coqueluche, pneumonia! Antes da chegada dos europeus, havia milhares de almas indígenas no continente americano, de norte a sul eram algo em torno de 80 milhões. Hoje, resta pouco mais de 1 milhão. Elas são as mais valiosas almas que poderão garantir um novo normal (esperamos que seja um novo modo de vida pautado numa relação mais harmoniosa com a natureza) e um novo mundo pós-Covid-19!

 

* Vagalume é uma imagem usada pelo filósofo francês Didi-Huberman para nos lembrar justamente dessas imagens provenientes de pessoas e seres minoritários que insistem em piscar e iluminar, mesmo quando a escuridão parece triunfar!

MEMORIAL VAGALUMES | 2020

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