Lucas Gabriel, 0

Tupinikim

A homenagem dessa postagem é em memória de Lucas Gabriel Ramos Bolonese, bebê indígena vítima de um processo de abortamento inevitável advindo das condições da Covid-19.

 

A notícia da gravidez de Lucas Gabriel foi uma novidade muito bem recebida por todos os membros da família Ramos Bolonese. Família que pertence ao povo Tupinikim e reside na aldeia Caieiras Velhas, em Aracruz, na região norte do Espírito Santo. O pai e a mãe de Lucas Gabriel, David Bolonese Soares de 35 anos e Mbotyra Tupã (que significa Flor Divina) de 31 anos, também conhecida por Jaciele Pego Ramos Bolonese, estavam super felizes em saber que a família aumentaria. Alegria que também era compartilhada por seus três irmãos de 13, 9 e 2 anos.

Na conversa com David foi relatado que o bebê foi entregue em um recipiente de plástico, fechado apenas com uma fita adesiva e que a família teve que passar um final de semana com ele em casa. A mãe, positiva pra Covid-19, ainda um pouco desorientada e sem saber como proceder disse que colocaria o seu bebê em um frasco de vidro porque ela já o sentia como parte da família.

David, ainda acrescentou que: “através de toda essa história que nos aconteceu, a saúde indígena no município de Aracruz está sendo muito visada, nossa saúde da aldeia está sendo muito notada. A saúde indígena recebeu uma notoriedade muito grande, através dessa nossa história. Então, apesar da tristeza, a gente entendeu que ele (Lucas Gabriel), veio pra cumprir uma missão. E essa missão foi cumprida. Porque a gente estava se sentindo bem abandonados aqui na aldeia”. (Grifo nosso)

Optamos por realizar a transcrição integral do vídeo-denúncia que foi feito pelos pais David e Jaciele. No vídeo percebemos a indignação do pai, bem como notamos o quão a mãe de Lucas Gabriel estava abalada com toda essa situação delicada e complexa pela qual teve que passar. Devido ao descaso do hospital e também ao novo contexto trazido pela pandemia do novo coronavírus, Jaciele teve que passar por toda a situação relatada a seguir sem o acompanhamento de qualquer familiar.

Relato transcrito do vídeo-denúncia feito por David Bolonese e Jaciele Ramos:

“Gente, boa noite. Estou fazendo esse vídeo, porque eu quero relatar a indignação que eu tô com a Maternidade do Hospital São Camilo de Aracruz. Na semana passada, no dia 25 de Junho, a minha esposa, gestante de 14 semanas, quase 15. Foi ao hospital porque ela estava passando muito mal, foram feitos alguns exames, né? Comprovando que ela realmente era gestante, nessa quantidade de tempo. E foram feito alguns exames em que foi constatado que ela estava com um descolamento de placenta. Mas, ela foi testada também como positiva para a Covid-19. Então, mandaram ela embora de volta para a casa.

E uma semana depois, mesmo ela fazendo muito repouso, ela passou mal novamente e foi encaminhada de novo para o hospital, na maternidade do São Camilo. Foi feito outro exame que no caso disse que, uma semana depois, foi falado que placenta estava colada e que ela estava fora de perigo. Então, ela foi mandada de volta para a casa. Ela sentindo dor de cólica e a médica que atendeu ela, falou que era normal ela sentir as cólicas. No dia seguinte, ela passou muito mal. Uma cólica muito forte. Ela teve um aborto. Um aborto em casa. Sofreu um aborto e foi encaminhada novamente para o hospital, pela equipe de saúde aqui da aldeia indígena de Caieiras Velhas, aonde a gente reside atualmente.

Chegando no hospital ela ficou lá, ela reclama que ficou muito tempo sangrando sozinha, porque eu não pude acompanhar. Porque como ela testou positivo pra Covid, nós temos três filhos e eles não podem ficar com ninguém, pela questão do contato, então, eu tive que ficar em casa. Ela foi encaminhada sozinha ao hospital, juntamente com a nossa enfermeira aqui da aldeia de Caieiras Velhas. Ela disse que ficou muito tempo sozinha, numa sala isolada. Quando ela foi levada para a cirurgia de curetagem, era já tarde da noite. Porque quando ela foi encaminhada para essa cirurgia, eles tinham colocado outra pessoa na frente dela. Ela sem saber o que estava acontecendo realmente. Foi encaminhada para cirurgia caminhando, mesmo debilitada pela doença (Covid-19) e pela questão do aborto. Ela foi levada caminhado para essa cirurgia. Chegando lá, ela topou com a porta fechada, porque já tinha alguém na cirurgia. E nem a técnica de enfermagem que tava com ela, sabia que essa pessoa estava na sala. Então, ela retornou de novo pro quarto, para depois ser novamente levada para a sala de cirurgia.

Até, então, conheço que isso pode, sim, acontecer. Porque a gente vê que é uma falta de comunicação muito grande. Mas, o que está me indignando no momento é que, sem nenhum motivo de explicação, eles entregaram o feto pra ela trazer pra casa. Tá aqui o feto. Eles pegaram simplesmente um litro de soro. Aparentemente um recipiente de um litro de soro. Cortaram, encheram de formol. Colocaram o feto dentro. Passaram uma fita (adesiva). E entregaram para ele. Disseram que ela tinha que trazer pra casa. E hoje a gente tá aqui e a gente não sabe o que fazer com o feto. Eu não tenho coragem pra enterrar. Eu não sei se posso fazer isso (por causa da Covid-19).

A nossa enfermeira aqui disse que não tem conhecimento também do que possa ser feito, porque ela não tem conhecimento de que o hospital poderia ter feito isso. Como ela estava de 14 semanas, acredito que esse feto teria que ter um destino dado pelo hospital. E, realmente, não sei o que fazer. A gente não tem mais o que pensar. Eu acho uma falta de respeito muito grande. Sofre, ela chora… olhando para o feto. Acho desnecessário isso, uma falta de respeito. Acho que o hospital tinha que destinar esse feto. Não sei o que fazem lá, o feto era novo, 14 semanas. Minha esposa, comentou com a técnica de enfermagem de lá sobre o que ela tinha que fazer. E a técnica respondeu que ela que tinha que saber o que fazer. Eu acho uma falta de respeito muito grande.

Então, eu peço que vocês compartilhem esse vídeo, para chegar até um responsável. Porque tem um coordenador do hospital, tem o médico, tem a enfermeira e tem a técnica de enfermagem. Então, são quatro profissionais e isso aconteceu, sabe? Eu achei uma falta de respeito muito grande, está sendo um sofrimento muito grande pra ela. Esta horrível aqui pra gente. Conviver com essa situação. Então, quero que o vídeo chegue até eles, pra que eles entrem em contato comigo pra me dar uma resposta, pra me dar uma explicação do que realmente aconteceu. Eu agradeço muito a vocês que puderem compartilhar esse vídeo pra chegar lá. Eu vou correr atrás dos meus direitos, dos direitos da minha família.

Estou me sentindo muito constrangido por essa situação. Realmente a gente já está sofrendo pela perda dessa criança. Sofrendo pela Covid,  ela está bem abatida, todo mundo tá vendo. Está sendo um sofrimento muito grande. A gente está isolado. Totalmente isolado, sabe? E eu vou correr atrás dos meus direitos. E eu quero uma resposta do hospital de como fazer. Se isso é um protocolo. Ou se isso é realmente porque eles pouco se importaram. Teriam que ser feito um exame no feto, para constatar o óbito e não foi feito.

Não sei o motivo do aborto, o real motivo. Eu acredito que tenha sido pela Covid porque ela ficou muito abatida. Eu não sei do que a criança faleceu. Eu não posso nem colocar essa criança na estatística da covid, porque eles não me deram um documento provando. Eu não tive o direito de saber o porque que essa criança foi abortada. Então, eu peço que compartilhem esse vídeo, por gentileza. Para que chegue até um responsável do hospital, pra que entrem em contato comigo ou com a equipe de saúde aqui da aldeia, pra dar uma justificativa. Eu agradeço muito vocês aí, muito obrigado e uma boa noite.”

Lucas Gabriel significa o iluminado que tem a força divina, veio para cumprir a missão de ajudar a dar visibilidade para a saúde indígena de seu povo, na aldeia Caieiras Velhas, Aracruz (ES).

Lucas Gabriel, presente!

FONTES

Imagem em Destaque: Colagem feita pelo artista Kadu Xukuru (Instagram: @kaduxukuru)

Imagens da Galeria: Colagem feita pelo artista Kadu Xukuru e imagens David Bolonese Soares.

Vídeo-denúncia:

https://www.facebook.com/david.bas.35/videos/112096627233026