Recém-Nascido Yanomami, 0

Yanomami
Testemunho de Remo Yanomami-13 de maio de 2020, coletado e traduzido pela Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana.

 

Remo e Zita Rosinete são da comunidade Nara Uhi, na região do Rio Catrimani, Terra Indígena Yanomami – Roraima. Rosinete teve um parto prematuro (idade gestacional foi estimada em sete meses) e o filho do casal faleceu com dificuldades respiratórias e suspeita de Covid-19. Dias depois de ter dado este relato, Remo e sua esposa ficaram sabendo que o corpo do bebê estava no necrotério do hospital e que deveria ser enterrado em Boa Vista, pois sua morte foi declarada como suspeita de Covid-19. E assim foi feito, pois em um caso como este o corpo não poderia ser levado à Terra Indígena Yanomami devido ao alto risco de contaminação. Já se passou um mês desde o parto, Rosinete já recebeu alta do tratamento, mas o casal ainda está na Casa de Apoio à Saúde Indígena (CASAI) de Boa Vista, um dos locais onde muitos Yanomami se infectaram com Covid-19. Aguardam um voo da SESAI para retornar à comunidade. A seguir, o relato.

Foi assim que aconteceu. Primeiro, o xamã André apresentou os sintomas de Covid. Ele é mais velho, foi o primeiro a adoecer. Então, Miguel fez xamanismo para curar o pai e também adoeceu. Um dia depois que Miguel começou a se sentir mal, ele foi caminhando até o posto de saúde na Missão Catrimani. A terceira pessoa a adoecer na nossa comunidade foi minha mulher, Zita Rosinete, que estava grávida.

Estávamos na nossa comunidade, que se chama Nara Uhi, quando ela começou a se sentir mal. Teve tosse, diarreia, febre, dor de cabeça, dor no peito e muita dor na barriga. Os xamãs não fizeram trabalho para ela, porque ficaram com medo de adoecer, já que essa doença é muito forte. Eles já sabiam disso.

No dia seguinte, depois que a Zita Rosinete teve febre, caminhamos até o posto perto da Missão. Eu fiquei muito triste lá. A Rosinete estava muito mal, desmaiou três vezes. Estava muito fraca e com muita febre. No dia 27 de abril, fomos removidos de avião da Missão Catrimani para a maternidade em Boa Vista. Quando chegamos no hospital, ela desmaiou de novo e eu fiquei segurando ela… então, talvez eu tenha Covid dentro de mim. Mas eu fiz o exame pelo nariz e pela boca, deu negativo.

Minha mulher estava com muita dificuldade de respirar, estava muito fraca e quase morreu! E eu perguntei para o médico: “Será que ela vai morrer?”. “Não. Ela está um pouco forte por dentro ainda”, disse. Hoje ela está bem, mas eu fiquei com muito medo quando vi na internet e no facebook sobre essa doença! Na maternidade, nos colocaram para dormir separados de outras pessoas. Ela fez o exame no dia 28 de abril e depois de cinco dias chegou o resultado positivo para Covid-19.

Meu filho morreu. No dia 28 mesmo, no dia em que nasceu, ele morreu. Nasceu de manhã e à tarde morreu. Zita Rosinete estava muito fraca, mas estava um pouquinho forte ainda, porque ela não queria morrer. Se tivesse pensado em morrer, morreria. Ela teve um parto vaginal.

Eu não vi meu filho. A Zita Rosinete fez nascer o bebê, os médicos pegaram e disseram: “Levem para o hospital, para a UTI”. Então, ele morreu. Eu fiquei muito triste! Eu estou triste ainda. O médico não disse porque ele morreu. Só me perguntou: “Ei, você é papai?”. “Sim, eu sou papai”. “Desculpa aí, seu filho morreu. Ele estava com muita dificuldade de respirar e por isso morreu”. Ele morreu acho que às 14hs, mas não sei… Só tem no documento. Eu disse para o enfermeiro: “Eu quero visitar meu filho!”. Mas ele disse: “Espera, só depois. Os médicos estão examinando ainda”. Aí eu esperei, esperei, esperei e depois chegou informação: “Seu filho morreu de dia”. O corpo, acho que está lá ainda na UTI, eu não sei onde está. Na CASAI, eles também não disseram onde está o corpo do meu filho. Eles não dão informação sobre onde está o corpo. Eu tenho um papel que fala sobre o meu filho [Declaração de nascido vivo] e aqui na CASAI a enfermeira perguntou: “Onde é que está o seu filho?”. Eu disse: “Morreu!”. “Onde está o documento falando que ele morreu no hospital maternidade no dia 28?”. “Huu… não sei! Os médicos não me deram!” Eu estou muito triste, mas eu preciso conversar sobre isso com a coordenação da CASAI, mas não tem como me aproximar deles. Como é que eu vou falar? Então, a CASAI está muito bagunçada!

Fizemos a quarentena no hospital (14 dias) e estamos agora na CASAI fazendo quarentena ainda… Aqui na CASAI só agora é que tem outras pessoas perto da gente. Estamos em uma casa com três pessoas: uma mulher do Palimiu, outra sanöma e um homem sanöma. Eu estou muito triste, porque estou na CASAI. Aqui tem muita doença. Eu quero voltar para a minha comunidade!”

Obs.: Fotos de pessoas menores de idade, vítimas fatais da Covid-19, serão ilustradas com trabalhos de artistas indígenas. Ver autoria em Fontes!

FONTES

Foto em Destaque por: Edgar Kanaykõ (Instagram: @edgarkanayko)

Fotos da Galeria: Edgar Kanaykõ; Reprodução//Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana

Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana
https://www.facebook.com/RedeProYanomamiYekwana/posts/114759750259090

Colaboração: Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana

Adolescente Yanomami, 15

Yanomami

Um adolescente de 15 anos, do povo Yanomami, faleceu na cidade de Boa Vista (RR), no dia 09 de abril de 2020. Ele morava numa aldeia às margens do rio Uraricoera, região de entrada para parte dos milhares (estimados em 25 mil) de garimpeiros ilegais que, hoje, exploram ouro dentro da Terra Indígena Yanomami (AM/RR). Segundo a agência de notícia “Folha de São Paulo”, o jovem indígena estava nesta região quando seu estado de saúde piorou e ele foi transferido para a capital Boa Vista.

Esse caso aumentou a apreensão dos Yanomami. Entre os anos de 1960 e 1980, sua terra foi massivamente invadida por garimpeiros, o que resultou na morte de cerca de 15% da população indígena, sobretudo em decorrência de doenças como o sarampo. Essa tragédia foi contatada no livro “A queda do Céu”, de Bruce Albert e David Kopenawa.

Atualmente, com o preço do ouro em alta e a promessa do presidente Jair Bolsonaro de legalizar o garimpo dentro de terras indígenas, a invasão do território yanomami voltou a crescer assustadoramente!

Pela agência de notícias “Amazônia Real” ficamos sabendo que o adolescente yanomami vítima da Covid-19 nasceu na Comunidade de Helepe, na Terra Indígena Yanomami, em 02 de março de 2005. Ele estudava o ensino fundamental em uma escola da Comunidade Boqueirão, na Terra Indígena Boqueirão, dos povos Macuxi e Wapichana, no município de Alta Alegre, no norte de Roraima.

Ainda segundo a “Amazônia Real”, o adolescente passou 21 dias com os sintomas da doença, buscando por atendimento de saúde e não foi submetido no início da doença ao teste para Covid-19. Ele chegou a receber alta do Hospital Geral de Roraima. As internações aconteceram no período de 18 de março a 3 de abril e demostraram uma imensa fragilidade no sistema da saúde indígena. O diagnóstico da doença Covid-19 só foi confirmado no estudante yanomami no último dia 7 de abril, dois dias antes de sua morte.

Foto em Destaque: Edgar Kanaykõ (Instagram: @edgarkanayko)

Fontes
Amazônia Real: http://bit.ly/2M30fbYO  
Folha de São Paulo: http://bit.ly/36zf7YY