Hàraxàre Krokti, 58

Gavião Akrãtikatêjê

“Acredito que a passagem dele pela Terra, por aqui, foi muito boa, importante, porque ele deixou um legado de luta, de mostrar como é ser Gavião.” – (Madson Gavião)

 

Hàraxàre Krokti, Seu Matias, 58 anos, nascido em Tucuruí-PA, será sempre lembrado por sua luta, força e sabedoria. 

 

Durante vida, Matias carregou consigo a resistência e os conhecimentos que pautaram ao longo dos anos a luta dos Gavião-Akrãtikatêjê, seu povo. O enfrentamento constante às violências e aos inúmeros confrontos vividos, sejam esses a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí – que os expulsou violentamente de suas terras -, as linhas de transmissão da Eletronorte ou as invasões ilegais de posseiros, fizeram com que a luta fosse constante. 

 

Nas palavras de seu filho, Madson Gavião, Seu Matias era admirado não só por sua força, por suas falas sempre firmes e por sua luta pela comunidade, mas também pelo forte empenho em resguardar a cultura e os conhecimentos sobre os Gavião. Nos últimos tempos, se dedicou a ser cinegrafista da comunidade, memorizando, por meio do audiovisual, as longas festas culturais que participava. Depois, mergulhou-se no trabalho como professor cultural, reunindo anciãos para, em cada comunidade, jogar flecha, compartilhar e ensinar história e os saberes da cultura Gavião. Para Madson, o pai “sempre lutou pela educação, educação indígena, educação diferenciada, implantada nas comunidades”.

 

Seu Matias acumulava admirações: era grande corredor de tora, ilustre arqueiro, guerreiro, caçador, que buscava sempre, para seus filhos e todos da comunidade, ensinar sobre os animais, plantas e arte da caça. Era também vigilante, responsável por comandar grupos que combatiam posseiros de terras e invasores na Terra Indígena. Combatente de inúmeras formas, defendendo sua terra, seu povo e as raízes dos Gavião-Akrãtikatêjê que o guiavam. 

 

Raízes essas que continuarão a ser fortalecidas, mantidas e cuidadas, mesmo após a partida de de Seu Matias, que nos deixou no dia 12 de outubro de 2020, em Teresina, devido a complicações decorrentes da Covid-19.  Nas palavras de Madson, o pai será sempre lembrado, e os conhecimentos que possuía serão um legado do exemplo vivo do que é ser Gavião. 

 

Em sentimentos à família e à todo povo Gavião. Em agradecimento ao Madson, que participou integralmente da construção dessa homenagem. 

 

Homenagem de Vincent Carelli

 

Estou arrasado com a partida do meu aluno, amigo e compadre Matias do povo Gavião. Meus sinceros sentimentos a toda a família. Ele estará mandando seu recado no filme Adeus Capitão, fazendo uma crítica precisa e profunda da perda do senso de coletividade. Morreu de Covid na era de um governo genocida!

 

Homenagem de Danielli Jatobá

 

Quero humildemente prestar minha homenagem a uma pessoa incrível que fez sua passagem.

Conheci Seu Matias em dezembro. O encantamento que tive por ele e pela sua esposa Juka foi das maiores alegrias dos tempos de Pará. Lembro da gente conversando sobre as festas e brincadeiras, sobre a história do seu povo, sobre a língua, sobre todas as mudanças que tiveram que encarar.

Exímio flecheiro, orientava, junto com Seu Miriti, Boemi e Expedito, as corridas de varinha que acompanhei como parte da Festa do Peixe. Corredor, me mostrou imagens antigas da força e alegria dos corredores e corredoras Gavião. Seu nome é Hàraxàre, filho de Rõnore – “mamãe grande” – e sobrevivente da família Akrãtikatejê que resistiu até o último momento em Tucuruí. Irmão de Paiaré e Zeca Gavião, tio da cacique Kátia, pai de meninos fortes, era visivelmente um esteio da aldeia em que escolheu viver, a Krijõnherekatejê.

Guerreiro no melhor sentido da palavra. Disposto, preparado, atento e com uma visão certeira e crítica dos acontecimentos das últimas décadas que submeteram os Gavião do Pará a uma roda sem fim de negociações, violências e confrontos. Foi do grupo de proteção que garantiu a ocupação efetiva do território demarcado que lhes restou. Corajoso, flechou muito em defesa de seu povo e da integridade da TI. Hoje, guerreiro de frente na mobilização nacional indígena que acontece em Brasília. Tudo lastreado no poético costume de se encontrar para flechar que reúnem os mais velhos e mais velhas no Acampamento da sua aldeia. Arqueiro delicado, nos ensinou o quanto de conhecimento e território há numa flecha.

Estava muito dedicado a novidade de ser o professor da língua – m’pajarkwa – na escola de sua comunidade. Sábio, estava organizando um material de apoio belíssimo com ilustrações ricas em cores e em diversidade. Guardava as imagens da sua juventude filmadas por seus parceiros e outras feitas por ele mesmo. Um memorialista em todos os sentidos possíveis. Ver essas filmagens em sua companhia foi um presente que recebi da vida.

Ele me pediu umas leis e me fez perguntas que me preparei toda para responder. Estudei jurisprudência, pensei em como produzir com ele as estratégias que ele requeria. Sonhei com esse retorno, me isolei dedicadamente, organizei conteúdo para um tipo de planejamento e curso sobre direitos. Sonhava em voltar. Falei com ele por telefone na semana passada quando soube que estava internado para tratamento em Teresina. Complicações do Covid. E não resistiu.

Quero declarar que essa notícia foi das mais tristes que poderíamos ter recebido. Todos nós. Pois ele é uma perda para sua família, mas também para os Akrãtikatejê, para os Gavião e para todos os povos que lutam com e por dignidade.

Gostaria de estar lá agora pranteando junto com a sua família. Honro com minhas lágrimas a possibilidade de conhecer em vida uma pessoa tão amável, linda e forte. Meus pensamentos estão com Jokakure Juka , que perdeu seu companheiro de vida, depois de perder a mãe para a mesma doença. Toda força à família! Meus respeitos e sentimento.

FONTES

Foto em Destaque: Vincent Carelli

Fostos da Galeria: Vincent Carelli; Arquivo Pessoal da família de Hàraxàre Krokti; (IDEM); Danielli Jatobá; Arquivo Pessoal da família de Hàraxàre Krokti; (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); (IDEM); Danielli Jatobá.

 Colaboração: Letícia Silva e Pires, graduanda em Ciências Sociais (UFMG).