Maria de Lurdes, 69

Mura

Homenagem enviada por Márcia Mura


Dona Maria de Lurdes de Oliveira Brandão, 69 anos, faleceu dia 26 de maio de 2020, de Covid-19. Vivia em Nazaré, distrito de Porto Velho, às margens do rio Madeira. Dona Lurdes faz parte da memória ancestral das mulheres amazônicas, desses lagos e rios do nosso território Mura. Trouxe ao mundo a vida de muitas crianças com seu dom de parteira. Quantas vezes eu vi outras pessoas passarem em frente de sua casa pedindo a bênção a ela: “sua bênção, mãe!”. E ela lá, apesar do seu jeito sério, ao final sempre dava sua risada e respondia: “Que Deus abençoe!”.

Além de parteira, também D.Lurdes era guardiã das nossas plantas de cura. No seu quintal, haviam várias plantas medicinais para os nossos remédios. Todos que precisavam de algum tratamento da nossa cultura medicinal iam lá procurar os remédios com ela. D.Lurdes sempre tinha uma planta para fazer o remédio certo. Sempre avistava ela dando suas plantas medicinais as pessoas que precisavam.

Mas, em 2014, com a grande inundação do rio, causada pela construção das hidrelétricas, ela passou a ter que fazer mudas de todas as plantas para salvá-las. Desde então, ano após ano, quando vinha a grande cheia, ela tirava muda por muda, planta por planta, e colocavam todas num lugar alto. Quando a água descia, ela replantava tudo novamente no seu quintal.

D. Lurdes era umas das mulheres mais velhas e como grande matriarca que foi, cultivou vários laços afetivos, fortaleceu nossos vínculos territoriais e com a vida. Ela nos deixou seus conhecimentos. E sua memória vai se manter viva por meio das nossas práticas. Seus remédios foram repassados não somente para sua família, mas para todas as mulheres que tiveram oportunidade de trocar algum conhecimento com ela. Eu, Márcia Mura, fui uma dessas mulheres. Felizmente pude vivenciar algumas experiências de saberes e de sabores da nossa cultura junto a ela e sei que dona Lurdes vai se manter viva em nossas memórias.

“Dona Lurdes era nossa anciã, guardiã dos conhecimentos tradicionais. Era a mãe Lurdes. Eu moro ao lado da casa dela. Independente de sermos ou não da família, nós construímos relações afetivas e de parentesco. Somos todos parentes. A perda dela foi muito forte para todos nós de Nazaré. E como não foi possível fazer o funeral e sepultá-la às margens do lago do Peixe Boi, fizemos uma live de celebração da passagem dela. Pois ela não podia ficar sem um ritual de passagem e as pessoas da comunidade participaram, falando da importância dela para cada um e coletivamente.”

(Palavras de Márcia Mura ao enviar a homenagem de D.Lurdes para Aline Corrêa)

FONTES

Foto em Destaque: Márcia Mura

Fotos da Galeria: Márcia Mura

Texto da homenagem e fotos por Márcia Mura.