Eliezer Tolentino Puruborá, 90

Puruborá

Homenagem escrita por Gilmara Camila Puruborá, sobrinha de Eliezer Tolentino Puruborá

 

Eliezer Tolentino Puruborá faleceu no dia 08 de junho de 2020 na cidade de Guajará-Mirim, Rondônia. O nosso ancião foi acometido pelo novo coronavírus da Covid-19. Infelizmente ele não resistiu à essa nova doença e nos deixou.

Para nós Puruborá é muito triste perder um ente querido. Principalmente quando essa perda acontece com aquelas pessoas que consideramos ser nossas “bibliotecas vivas”, pois as pessoas mais velhas possuem a maior parte dos nossos conhecimentos e da nossa sabedoria ancestral. Para as pessoas jovens como eu, os anciãos são fontes riquíssimas da ciência tradicional. Verdadeira inspiração para dar continuidade à luta que o nosso povo diariamente enfrenta na busca pelos nossos direitos constitucionais.

Eliezer tinha mais de 90 anos de idade. Era um dos últimos anciãos do nosso povo e um dos poucos falantes da língua Puruborá. Ele contribuiu muito para o registro e o resgate da nossa língua e para o mapeamento do nosso território tradicional.  

Eliezer, ainda quando criança, perdeu os pais. Era uma época em que muitas crianças ficaram órfãs em consequência do contágio por doenças trazidas pelos não indígenas (a gripe, o sarampo, a catapora e a caxumba), que dizimaram a maior parte de nosso povo. Nessa época em que perdemos muita gente, muitas crianças foram dadas aos seringueiros pelo encarregado do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Outras crianças passaram a se virar praticamente sozinhas. Viviam e aprendiam com um e outro. Foi nesse período também que fomos proibidos de falar a nossa língua nativa e de fazer quaisquer manifestações culturais e religiosas.

No início da adolescência, Eliezer trabalhava na seringa e colhia poalha no Limoeiro, um lugar que parecia um vilarejo e ficava às margens do rio São Miguel. Lá conheceu Celina, mulher com quem teve uma filha, Regina. O relacionamento não foi adiante e Celina se envolveu com outra pessoa e foi embora.

Em seguida, após tantas restrições impostas pelo Estado e na tentativa de tentar melhores condições de vida e trabalho, Eliezer decidiu sair do território tradicional e buscar oportunidades na cidade. Aceitou uma proposta de trabalho feita pelo então chefe da FUNAI de Guajará-Mirim, o senhor Didimo Graciliano, que também prometeu registrá-lo com o nome de seu povo.

Logo que chegou à cidade, Eliezer reforçou o desejo de ser registrado. Ele queria colocar o nome do povo Puruborá junto ao seu. E assim aconteceu. Os seus documentos foram feitos somente após a sua chegada em Guajará e ainda continha alguns erros, por exemplo, ele era mais velho do que o registro que constava na sua identidade. Em Guajará-Mirim, como não tinha com quem falar a língua, acabou se afinando de falar português.

Durante alguns anos ele trabalhou em uma das fazendas do então chefe da FUNAI, seu Didimo Graciliano, mas adoeceu. Passou um tempo em tratamento no hospital. Não recebeu qualquer visita de Didimo ou outra pessoa. Quando obteve alta, ninguém da fazenda foi buscá-lo. Por essa razão, ele não retornou para trabalhar na fazenda. Foi se virando sozinho para sobreviver na cidade. Até que conheceu Almir Pandurí, que ao vê-lo naquela situação de grande vulnerabilidade lhe ofereceu um serviço.

Eliezer passou a trabalhar e a morar na fazenda de seu Almir. Lá ficou em torno de 15 anos até que novamente adoeceu. Ele tinha sérios problemas pulmonares. Não podendo continuar trabalhando, retornou ao hospital para realizar outro tratamento. Quando melhorou viu-se sozinho mais uma vez e não tinha mais nenhum lugar para onde poderia ir.

Na cidade dependeu da ajuda de muitas pessoas que foi conhecendo com o tempo. Morou em um puxadinho feito nos fundos do quintal de uma senhora que o amparou. Ele retribuía esse gesto conforme podia. Quando a senhora faleceu, os filhos dela deixaram Eliezer continuar morando por lá. Mas, ficou cada vez mais difícil viver sozinho, pois eram muitas as dificuldades ocasionadas pela doença e pela velhice.

Nesta época longe das fazendas ele conseguia receber visitas dos parentes Puruborá que também estavam morando em Guajará-Mirim. Foi quando resolveu sair do puxadinho para morar com a Clarice Puruborá – filha de uma prima já falecida. Clarice lhe deu abrigo e o cuidou. Neste período, uma das netas de Eliezer promoveu a reaproximação entre ele e sua única filha: Regina. Não se viam há muitos anos. Em seguida ao encontro, ele foi morar junto com a filha. Quando Eliezer faleceu com o coronavírus, ainda não tinha completado um ano que moravam juntos.

Após ter ido embora do território onde nasceu, Eliezer e os outros parentes indígenas que viviam na cidade e que agora já eram anciãos, retornaram ao território de origem, para participarem das assembleias anuais do povo Puruborá. Nessas assembléias reivindicavam, sobretudo, o direito à identidade étnica e à demarcação do território tradicional. Era grande o desejo dos anciãos, queriam ver a terra ser demarcada. Eliezer foi mais um Puruborá que faleceu sem ver o território do seu povo demarcado. O que para nós Puruborá é muito triste. Pois foram essas pessoas marcadas pelo contato com o não indígena que tiveram suas vidas modificadas de modo mais brusco. Infelizmente, eles estão partindo. Um a um. Sem que esse sonho seja realizado em vida.

FONTES

Foto em Destaque: Enviada por Gilmara Camila Puruborá, sobrinha de Eliezer Tolentino Puruborá.

Foto na Galeria: Enviada por Gilmara Camila Puruborá, sobrinha de Eliezer Tolentino Puruborá.

Texto escrito por Gilmara Camila Puruborá.