Weytãg Suruí, 98.

Suruí Paiter

Weytãg Suruí, 98 anos, lamentavelmente, faleceu no dia 2 de Janeiro de 2020, em decorrência das complicações advindas da Covid-19. A anciã pertencia ao clã Kaban do povo Suruí Paiter e sobreviveu à chegada do novo coronavírus nos territórios indígenas, mas sucumbiu ao descaso e ao crime de responsabilidade com a saúde indígena no governo de Bolsonaro e de seu vice o general Hamilton Mourão. A matriarca chegou a ver, ainda na primeira onda da pandemia, Renato Suruí, um de seus sete filhos, falecer e ser enterrado antes mesmo do que ela poderia imaginar.

Weytãg Suruí foi casada com o labiway esagah (líder maior) Marimop Suruí, ele pertencia ao clã dos guerreiros Gameb do povo Suruí Paiter. Ambos foram testemunhas oculares e sobreviventes do sistemático genocídio promovido contra os povos Suruí Paiter e demais povos indígenas da região durante o contato com os colonizadores.  Weytãg morava na aldeia Apoena Meireles, na Terra Indígena Sete de Setembro (MT/RO). Os traços da pintura que marcavam sua face demonstravam a forte conexão com as antigas tradições do povo Suruí: a anciã praticava a costumeira arte do fiar e falava apenas o (Tupi-)Mondé.

Para que o seu amplo conhecimento sobre a medicina tradicional, a língua e a cultura da floresta fosse retransmitido às gerações mais jovens, as histórias e narrativas dos tempos dos antigos que por ela eram contadas dependiam da tradução feita por seus filhos. Apesar de manter fortes laços com o passado de seu povo, Weitãg não escapou do choque cultural advindo do contato com o mundo do branco, e frequentava a igreja fundada por missionários cristãos, chegando a gravar algumas músicas cristãs na própria língua Mondé.

Sem dúvida, a morte de Weitãg é uma grande perda para todos os povos da floresta. Além de ser uma importante conhecedora e liderança do povo Suruí Paiter, Weitãg personificava e incorporava os seculares desafios simbólicos e materiais que foram e ainda são enfrentados por numerosos povos indígenas no Brasil, cujas vidas se dividem em, pelo menos, dois mundos que são extremamente diferentes.

Segundo Fabiano Maisonnave do jornal Folha de São Paulo (FSP), o cacique Almir Narayamoga Suruí, 46 anos, atual labiway esagah dos Suruí e também importante liderança no movimento nacional dos povos indígenas no Brasil, ressaltou que o “contato sempre foi um desafio pro nosso povo. A geração da minha mãe nos orientou a chegar até aqui para que a gente pudesse compreender a diferença da cultura e sobreviver dentro dessas diferenças”.

A reportagem da FSP traz também o relato do neto de Weytãg, Rubens Suruí, 31 anos, através do qual ele fala da importância de sua vó: “Para nós, a minha avó é uma pessoa de conhecimento. Não somente na área de ervas tradicionais, ela também nos aconselhava. Foi uma pessoa sensacional”.

 

Um breve contexto histórico sobre os Suruí Paiter.


Segundo informações do Instituto Socioambiental (ISA) a TI Sete de Setembro dos Suruí Paiter abrange parte dos municípios de Cacoal (Mato Grosso) e de Aripuanã (Rondônia) e é “banhada pela bacia do Rio Branco, afluente do rio Roosevelt, que se forma a partir da junção dos  rios Sete de Setembro e Fortuninha. Os principais afluentes do rio Branco que drenam a área são o Ribeirão Grande, rios Fortuninha e Fortuna, na margem direita. Na margem esquerda há os rios Igapó (nomeado pelos Paiter), rio São Gabriel e outros sem denominação em carta topográfica do IBGE” (ISA). O idioma originário pertence ao grupo Tupi e à família linguística Mondé.

O contato com os não indígenas acarretou inúmeras transformações sociais e culturais entre os Paiter. No entanto, os Suruí jamais deixaram a cultura de seu povo ser anulada frente a essas intensas modificações provocadas pelo contato com o mundo do branco. Até hoje eles são, reconhecidamente, vistos como um povo guerreiro, que lutou pela demarcação de seu território e que continua a lutar por políticas públicas etnicamente diferenciadas.

Ainda segundo os dados do ISA, os primeiros contatos dos Surui Paiter com a sociedade nacional foram a partir do século XIX, que provocaram constantes ciclos emigratórios e fugas da perseguição dos não-indígenas. Ao final desse mesmo século, com o Ciclo da Borracha, veio também a construção da estrada Madeira-Mamoré, bem com as linhas telegráficas de Rondon. Aumentando os deslocamentos forçados dos povos indígenas nessa região – o que acarretou não só em mudança de territórios, como em mortes e disputas por territórios entre diferentes grupos indígenas.

Esse “mau encontro” se efetivou de modo ainda mais intenso, sobretudo, a partir de meados do século XX com um novo ciclo da Borracha, com a chegada da mineração (cassiterita) e também com a chegada de fazendeiros que invadiram a região, numa expansão das fronteiras de colonização que foram impulsionadas pela Ditadura Militar (1964-1985).

Até a década de 60 a violência cometida pelo Estado brasileiro se dava através da negligência, da omissão e do descaso com os Suruí Paiter. Porém, a partir da Ditadura Militar, a violência se torna uma política promovida pelo Estado brasileiro e para essa região, podem-se destacar: a construção da BR-364/Cuiabá-Porto Velho, e sua pavimentação posterior com a chegada do Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil (Polonoroeste).

Este Programa, financiado pelo Banco Mundial, criado por um decreto em 1981, tinha como principal objetivo a promoção de uma maior integração entre as regiões do país. Desse modo, era um projeto que, supostamente, levaria o desenvolvimento e o progresso para as regiões mais remotas através da criação de estradas que davam acesso a lugares que, na época, eram inacessíveis, e mantinham ali apenas a presença dos povos indígenas. Apesar dos Paiter Suruí terem sido contatados somente em 1969, a invasão de seu território por não-indígenas fez arrastar o processo de “demarcação” e “desmarcação” da sua terra pelo Estado brasileiro, que só veio a ser concluído e homologado em outubro de 1983.

 

Almir Suruí, filho de Weytãg, registrou:


Muito triste, saudade, minha mãe… te amo!!

 

Janete Suruí, atual esposa de seu Almir Suruí e nora de Weitãg, registrou:


Minha sogra Weytãg Suruí, faleceu no dia 2 de janeiro e está fazendo muita falta. Weytãg, minha querida sogra, foi uma mulher muito guerreira e lutou por muitas coisas e trouxe benefícios para todo o nosso povo. E esta saudade dela vai ficar pra sempre e eterna. Sei que agora o coração dói, mas reconforta saber que ela está num lugar ainda mais bonito.

 

Oypagoemagad Suruí, neto de Weytãg, registrou:


Vó, você está com Deus agora e eu fico feliz por isso. Mas a senhora deixou saudade eterna aqui dentro de mim.

 

Kanindé – Associação de defesa socioambiental:


Com muita tristeza comunicamos o falecimento da anciã Weitãg do povo Paiter Suruí. Guerreira indígena sobrevivente do contato, ela era uma grande biblioteca do universo Tupi Mondé.

Nossos profundos sentimentos ao povo Paiter.

 

Ivaneide Cardozo:


Weytã Suruí faleceu ontem de Covid-19, não tenho palavras para expressar essa dor.

 

Denise Zmekhol:


Weitãg died of Covid. The Surui people and the world lost a beautiful elder who had yet many stories to tell us.

 

Silvia Guimarães:


Meus sentimentos a todos pela perda dessa matriarca Kaban, que muito ensinou com suas palavras, conselhos, expressões. Fez histórias, viajou para o mundo e mostrou para que veio, exerceu seu legado e deixa seu exemplo. Cumpriu sua missão nesse plano e continuará sua missão em um outro nível na espiritualidade. Que nosso pai maior possa confortar a todos familiares nesse momento de separação e dor. Com muito carinho, amor, gratidão e respeito deixo meu abraço de conforto a todos.

 

Erika Bányai:


Que perda inestimável para seu povo, perda inestimável para a Memória dos povos indígenas de todo o mundo. Meus sinceros sentimentos de tristeza e de solidariedade.

FONTES

Foto em Destaque: Reprodução//Facebook, página da Associação Metareilá.
Fotos da Galeria: Jürgen Vogel; Reprodução//Facebook, página da Associação Metareilá; Arquivo pessoal de Almir Suruí; Jürgen Vogel; Reprodução//Facebook, página Os Paiter Suruí; Children of the Amazon; Arquivo pessoal de Celso Lamitxab Surui; Jürgen Vogel; Arquivo pessoal de Almir Suruí; IDEM; Arquivo pessoal de Ivaneide Cardozo; Arquivo pessoal de Almir Suruí; IDEM.

 

Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/01/testemunha-de-genocidio-ancia-indigena-morre-com-sintomas-de-covid-19.shtml 

Children of the Amazon

https://www.childrenoftheamazon.com/about-the-film/characters/

https://www.facebook.com/denise.zmekhol/posts/10158958455260699


Associação Metareilá (Facebook)
https://bityli.com/SBYVa


Os paiter Suruí (Facebook)

https://bityli.com/nMNVg 

Instituto Socioambiental
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Surui_Paiter

Raimundo Suruí, 54

Suruí Paiter

Raimundo Suruí, 54 anos, pertencente ao povo indígena Paiter Suruí. Vivia junto de seu povo Paiter, que significa “gente de verdade, nós mesmos”, na Terra Indígena (TI) Sete de Setembro, banhada pela bacia do rio Branco, Rondônia. Atuava como Agente Indígena de Saúde (AIS) da aldeia Lapetanha, em uma das três Unidades destinadas ao cuidado em saúde na TI.

Raimundo faleceu em agosto de 2020, mesmo mês em que também faleceram seus parentes Iabibi Suruí, Renato Suruí e Fábio Suruí. Integrantes do Distrito Sanitário Especial Indígena reforçaram o quanto Raimundo foi “um guerreiro” e “importante membro” para sua comunidade.

FONTES

Foto em Destaque: O Rondoniense
Fostos da Galeria: O Rondoniense; Reprodução//Facebook Página “Os Paiter Suruí”; Reprodução//Facebook Página “Associação Metareilá”.

O Rondoniense

Disponível em: https://orondoniense.com.br/mais-um-indigena-da-etnia-paiter-surui-morre-por-covid-19/. Acesso em: 17 de outubro de 2020.

Os Paiter Suruí

https://www.facebook.com/OsPaiterSurui/posts/815554928982787 

https://www.facebook.com/OsPaiterSurui/photos/a.498931783978438/815772918960988

https://www.facebook.com/OsPaiterSurui/photos/a.498931783978438/815773012294312

Associação Metareilá
https://www.facebook.com/paitersurui/posts/3404476932951041 

 

Colaboração: Érica Dumont / Enfermagem e FIEI – FaE, UFMG – Belo Horizonte/MG.